sábado, 27 de novembro de 2010

A Espera

Leu o jornal duas vezes enquanto tomava uma xícara de café preto e sem açúcar.
Acostumou-se a fazer isso repetidas vezes, apenas nos dias em que restavam-lhe alguns minutos aproveitados cuidadosamente. Ainda que fossem poucos ele gostava de sentir em sua boca o sabor amargo que chegava quente às suas papilas e decia-lhe queimando a garganta já acostumada com a pressa diária das refeições.

Quando terminou ainda era cedo, mais cedo do que esperava, então resolveu tomar um banho terapêutico, que durasse 30 longos minutos contribuindo para acabar com a água do planeta o que, naquele momento, não o preocupava nem um pouco. Não havia preocupação com nada nos últimos tempos. Era apenas um viver comum que obrigava apenas um trabalho, alguma leitura e algumas pessoas que conversam despretenciosamente durante o dia sobre notícias corriqueiras.

Aquilo era o normal, o comum de cada dia...
Acabou o banho, se vestiu e pôs-se a andar. Observou pessoas, animais e até árvores pelo caminho, constatou que as coisas praticamente não mudam de lugar nas manhãs de dias úteis. Nos finais de semana as ruas ganham um tom sombrio e sórdido, acompanhado, geralmente, por um silêncio que dói aos ouvidos.

Chegou. Fez tudo como sempre faz, sentou-se e esperou. Uma espera que acontece todos os dias, uma espera que já faz parte da sua vida. Uma espera triste, mas imperceptível aos olhos de outros. Talvez imperceptível até para ele. Ele que faz repetidos movimentos todos os dias e não nota que espera um movimento diferente de outra pessoa.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Assunto

Pensei em você o dia inteiro. Ouvi músicas e vi alguns filmes diferentes, filmes da categoria “cult”.

Lembrei-me de você.

As músicas construíam uma atmosfera tranqüila e conduziam meus pensamentos que, embora embaralhados, formavam você. Você e aquele sorriso disfarçado, que sempre vejo do outro lado de uma longa mesa cheia de pessoas que riem e fazem piadas. E seu sorriso passa despercebido aos demais, mas não a mim.

Talvez naquele vestido rosa, suas bochechas fiquem mais brilhantes e seu sorriso se exalte mais, é isso? Será isso?

Pareço estar divagando, às vezes vejo tudo como num filme. E você me pergunta: “Como se tudo se encaixasse e formasse a próxima cena?”

Sim, é mais ou menos isso, mas quando eu percebo nem sei mais como começo...

E você com alguns movimentos leves, pré-determinados, me olha sutilmente e ri. Percebe cada movimento meu, cada sinal que eu poderia ter dado. Sim, você percebe, mas é sempre sutil, mesmo quando ri alto você é sutil, mesmo brava ou ansiosa. Mesmo quando precisou desabafar e dizer palavras que não te imaginei dizer.

Eu sempre te disse: como poderia ser assim? Como ela poderia dançar músicas na rua com aquele jeito de criança? Quem permitiu que coubesse dentro desse mesmo corpo rosto e alma tão diferentes? Afinal, que sutileza é essa que me faz ouvir músicas e pensar em você... Que sutileza é essa??


Ao som de Comptine D'un Autre ete

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O Casamento.

Convites, madrinhas, padrinhos, bolo, festa, família, champanhe. Vestido número um, número dois... Perfeito, será o vestido número vinte e sete. Falta algo? Sinto que esqueço algo!!
O noivo.

Ah, quem se importa com o noivo? Quem olha para o noivo? Alguns ainda percebem sua cara de bobo no altar enquanto a noiva e seu vestido que estourou o orçamento desfilam igreja à fora.

E assim começa o casamento com menos 20 mil reais na conta e com presentes repetidos, cerca de 4 panelas de pressão. Ninguém fez uma lista? Santa desorganização.

E então o milagre dos dias começam a acontecer. Dias de sol, de chuva, dias a mais e agora são anos. Sim, anos se passaram. A noiva, agora uma mulher cansada, exausta que não aguenta mais comprar panos de pratos. Porque eles sempre somem ou acabam?
O noivo, com alguns litros de cerveja armazenados em forma de adipócitos localizados em torno do abdômen: barriga de chopp.

E ela só reclama, reclama e reclama. Nunca mais saimos, não vamos mais ao cinema, não vejo minhas amigas há tanto tempo! Meu cabelo não é o mesmo, meu rosto parece 10 anos mais velho!

Ele só finge que escuta. Mas o que ela queria? Ela tinha a opção de outros três, mas quis a mim. Eu que paguei quase 20 mil reais num casamento furado.

Ele sai. Ela fica.
Ele volta, ela agradece a Deus.
Ele paga as contas, ela lava e passa.
Ele a amava, ela também.
Ele tem outras mulheres, ela agora passa a fingir que não sabe.
Ele finge que esconde, mas quer testar a paciência dela.
Ela briga, ele se desculpa.
Ela chora, ele se compadece.
Ela engravida, ele amolece.
É uma menina, com os olhos dele: Bibiana.
Ela passa muitas noites mal dormidas, ele sequer acorda.
Eles a amam muito.

Os anos se passam e ela, ou o que resta dela, ama a filha mais que tudo.
Ele, ou o que resta dele, segura com o que pode o casamento falido há anos.
O comodismo se confundiu com o casamento.
Ele adoece, ela cuida dele e ainda consegue ver nisso uma espécie de vingança.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Energizando

Eu me compadeci. Reli um mesmo e-mail mais de cinco vezes e fiquei emocionada.
Há quanto tempo eu não sou procurada como alicerce para alguém? Há quanto tempo não esperam de mim um pouco mais de carinho e paciência?

Noutro tempo eu me queixava por sentir minhas energias sugadas, sentir que esperavam demais de mim, que esperavam que eu sorrisse, que eu gostasse, que eu fosse, ao menos, educada. E eu reclamava, reclamava e reclamava. Acreditava não conseguir conviver com as expectativas alheias, nem mesmo com os olhares que brilham e esperam compaixão. Assim, eu acabava me doando demais e me sentindo cansada.

Pois bem, as expectativas foram postas de lado e eu me afastei de compromissos. Não conseguia mais sentir que a necessidade de alguém consumia a minha alma e me forçava a ser simpática e amiga. Claro, eu tinha a opção de ser apenas sincera, dona de uma sinceridade cruel que estraçalharia todo e qualquer sentimento. Eu poderia ter sido assim, mas nunca soube sê-lo.

Só hoje entendo porque nunca soube. Nunca soube porque eu gostava de me comprometer, porque eu precisava ajudar. Já perdi inúmeros dias de minha vida pensando sobre os problemas dos outros, porque estava em mim querer ajudar. Talvez eu pudesse deixar meus problemas de lado e, assim, ter mais tempo para consertar os problemas na vida dos outros.

Não compreendia até o presente momento se o meu desejo era apenas o de ajudar ou de ser ajudada. Se ao fazer algo por alguém eu acrescentava algo ou mascarava as minha falhas.

Após as cinco longas leituras do mesmo e-mail o respondi com alguma rapidez e terminei dizendo:

"Se posso te dizer algo agora é para ter calma... a calma vem aos poucos, à cavalo e lentamente. Não se preocupe, há tempo para tudo na vida, e há de chegar a sua felicidade."

E agora estou esperando, ansiosamente, por uma resposta. Esperando que os seus olhos busquem amizade nos meus e que entendam que aqui a terão. Afinal, foram as suas palavras que resgataram em mim a energia que deve ser doada. Nenhuma energia boa seria possível sem que alguém precisasse dela.