quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

À mercê

Pois eis que a rebeldia havia tomado conta: saiu de casa sem seu guarda-chuva! Há algumas semanas isso poderia soar como um insulto ao "Manual dos Bem Prevenidos", mas àquela hora não importava muito, não com toda a chuva que caía.

Mas, ao contrário do que é dito pelas mães aos filhos, que a chuva podia trazer algum dano, um resfriado; a sensação das gotículas em rosto era suntuosa. Trazia-lhe uma espécie de alívio, como se sua alma fosse lavada.

Seus óculos ficaram turvos e, ainda que sem eles sua visão fosse reduzida, resolveu tirá-los num súbito reflexo de liberdade.
Caminhou por toda a rua sem nenhuma pressa de que aquele momento acabasse. Poderia até ser eterno. E seus passos trouxeram-lhe ao portão de casa. Entrou.
Sorriu como uma criança que acabara de cometer uma nova travessura, tinha olhos brilhantes, cabelos e roupas encharcadas.

À medida que entrava na casa escura e vazia, retirava as peças de roupas e as largava ali mesmo pelo chão. E antes de adentrar o banheiro, sentiu frio, muito frio. Ligou o chuveiro, esperou que o novo banho, agora de água morna, caísse sobre o seu corpo trêmulo. Ficou por algum tempo parada ouvindo o barulho que as gotas faziam ao cair no chão.

Foi para o quarto. Deitou, dormiu e não precisou sonhar com coisa alguma aquela noite.



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